tag:blogger.com,1999:blog-69505018187283150252024-03-14T03:30:52.740-07:00Hiléia MundiApreciações sobre alguns aspectos e ecos da região da Amazônia Oriental (Amapá e Norte do Pará)Bruno Walter Caporrinohttp://www.blogger.com/profile/09035545029341697571noreply@blogger.comBlogger3125tag:blogger.com,1999:blog-6950501818728315025.post-65217491767647950692012-10-24T13:50:00.000-07:002012-10-25T06:11:42.752-07:00#4 - Pós-Guerra do DesconcertoO objetivo desse pequeno Portal é, como anunciado, estimular uma reflexão sobre a fotografia como construto narrativo vário, à luz (já que se trata essencialmente de luz) dos discursos construídos sobre "alteridades", visando explorar visões não sobre "os Outros" - e um debate sobre isso será iniciado aqui em breve - que não existem senão como funções (f) de determinados nós, mas sim sobre o ato de fotografar como um ato de aproximação ou negação dos outros através da maior ou menor projeção do observador e seus valores no mundo que apreende através da fotografia.<br />
<br />
Bem, o fato é que desde que comecei a me arriscar pelo universo da fotografia, nos idos de 2006, idealizei um roteiro para um curta(curtíssimo)-metragem, de 1 minuto de duração, intitulado "Pós-Guerra do Desconcerto".<br />
<br />
A idéia surgiu em minha mente em um dos inúmeros dias em que eu passava horas errando pelo Centro de São Paulo, onde ainda morava (me escondia?). Naquele período, eu estava finalizando a edição do (sempre) inédito livro de contos intitulado "Tristes Episódios", cujos episódios, inspirados em fatos transpirados por mim na realidade, giravam todos em torno dos fatídicos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) às Polícia Militar e Civil, e vice-versa, ocorridos em maio daquele ano, de modo que o livro de contos foi quase que escrito ao vivo, nas madrugadas em que voltava de casa carregado com a energia do que via nas ruas desertas onde uma guerra muda (que, infelizmente, não mudou nada) deixava as pessoas ainda mais mudas.<br />
<br />
Era um período de convulsão social, e epísódios trágicos - mais do que tristes - tiveram como palco a Praça da Sé. Em uma das tardes frias de maio em que flanava pelo centro, depois de escrever o livro - como eu disse, estava editando o material - dei por mim em plena Praça da Sé, onde sempre acabava chegando para usufruir do convívio solitário com as multidões que, ali, mais solitárias do que nunca, sempre foram ,para mim, mais honestas e ricas, como sempre, que o roteiro veio à minha mente. Veio com nome, trilha sonora (o objetivo era usar a música <i>Roads</i> do Portishead), sequência, tudo.<br />
<br />
Foi concebido justamente como um filme de 1 minuto montado a partir de fotografias preto e branco analógicas. Mostrei a idéia ao meu grande amigo Meduza, que gostou e propôs de fazermos. Mas... só agora (e por nenhum minuto sequer esqueci a idéia) senti que possuía fotografias minimamente utilizáveis...<br />
<br />
Das fotografias - e, portanto, do sentido de tudo isso<br />
Toda obra deve ter uma biografia. Mais do que seu autor, a obra deve ser contextualizada. Qualquer obra. Arquitetos, críticos de arte, e engenheiros, todos devem concordar comigo. Bem, o fato é que essas fotografias dos moradores de rua que sempre, sempre, sempre ocuparam minha atenção, minhas lentes, minha mente, minha pena, dos quais sempre fiz protagonistas em qualquer tentativa de expressão que eu conseguisse (porque sua marginalidade é muito mais do que se pensa e enxerga nos poucos momentos em que as pessoas os pensam e os enxergam...) realizar, foram feitas sob uma ótica especial.<br />
<br />
Todas as tomadas foram feitas em película Ilford, ISO 100, com a Zeiss Ikon Contaflex que eu venero tanto. E foram feitas majoritariamente em 2011. Mas, deve perguntar o leitor: como, morando no Amapá, em 2011, você fez fotografias de moradores de rua na Praça da Sé? Nas poucas vezes que eu visitava São Paulo, onde ia para encontrar a Musa e Mecenas Mari, detinha-me na velha Praça onde me formei verdadeiramente como antropólogo e indigenista (porque é espaço de minhas primeiras e mais marcantes experiências e reflexões sobre a alteridade, sobre ser outros), com a Zeiss a tiracolo e uma que outra película com algumas poses ainda por deflagar.<br />
<br />
Vindo de Belém, Afuá, Breves, Serra do Navio, Oiapoque, com mais da metade das películas deflagradas, eu aterrisava em São Paulo com algumas poses ainda por fazer. E aproveitava para documentar-me, a mim mesmo, através de minha percepção sobre os velhos moradores que sempre ocuparam minha atenção...<br />
<br />
Esse fato ganha outro valor quando as películas, ainda inteiras, sem cortes, são observadas: vê-se fotografias dos wajãpi, na terra indígena wajãpi, onde fotografo a maior parte do tempo, carregando açaí ou panakus com caça, e, abruptamente, prédios, cornijas e estatuária da Sé, a estátua do missionário catequizador dos índios e inaugurador da pobreza e da marginalidade oprimida que rodeia sua própria estátua, José de Anchieta.<br />
<br />
Esse choque, aparentemente abrupto, não me surpreendeu. Descobri que, de fato, a fotografia pode nos permitir entrever os vieses de nossos próprios olhares. Descobrir-se a si mesmo através de uma observação mais detida sobre como se observa o mundo, e os outros, é missão compartilhada entre a fotografia e a antropologia.<br />
<br />
O fato é que os indígenas catequizados pelo grande instaurador da megalópole desvairada na qual os netos desses indígenas não têm espaço senão nas periferias, oprimidos e ameaçados, ou ao chão, ao relento, às margens em pleno Centro, retratados no filme fotográfico lado a lado com os indígenas wajãpi ou com os caboclos de Afuá em cujos estaleiros me detenho a investigar sua arte náutica tão indígena, são o contraponto icônico em torno do qual a mensagem se dá.<br />
<br />
Depois dessa longa explicação, (e arte, se é boa, prescinde de explicação...), segue o filme (que não é propriamente um filme, mas sim um método para expor fotografias concatenadas em uma sequência narrativa corroborada, como um cânon, pela trilha sonora).<br />
<br />
Abaixo do filme, para quem quiser conferir, publico também o roteiro, tal como foi concebido originalmente em 2006.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span id="goog_533545023"></span><span id="goog_533545024"></span><br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /><iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dws6jQSA8I_2r7dueM-fB9D-tYM0bFxvuvcLuSxOn5WnvVsKwYWG6mxbhu0uoG_P8_XG9OOb3Rk2un-RVN92g' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><u><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“pós-guerra do
desconcerto”<o:p></o:p></span></u></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Bruno Walter Caporrino<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Roteiro<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Curta metragem documental
videoclíptico: duração, <st1:metricconverter productid="1 a" w:st="on">1 a</st1:metricconverter>
3 minutos.<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Trilha sonora: “Roads”, do grupo
Portishead, álbum “Dummy”.<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Duração: 1 minuto<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">P&B<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Situação: Praça da Sé, centro de São
Paulo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
curta consiste basicamente na transmissão de um sentimento especial, que tive
todas as vezes em que andei pela praça, e observei seus habitantes, e sua
desolação. Por isso, a idéia é a de que seja um vídeo-clip. Mudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tive
a impressão de que todos, ali, tiveram suas vidas roubadas de si mesmos, tal
como, parece-me, ocorre após uma guerra. Tive a sensação de que o mundo
simplesmente se desfizera, não apenas para mim, que saía de minha normalidade,
mas também para eles, como deve ser quando todos seus parentes morrem queimados
por napalm, e você, sozinho, depois de ver tantas atrocidades, refugia-se do
mundo, no mundo – que é a própria loucura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Eles
vagam, ao léu, ostentando nos andrajos com os quais cobrem seus esmarridos
corpos, toda a miséria a que o olhar comum pensa que foram relegados. Soldados
de uma guerra perdida, sem nação, condecorações, armas; sem bandeira sobre o
caixão. Sem nomes, sem memoriais: dos quais a sociedade, em sua batalha
hecatômbica pelo pão, não quererá se recordar. Para nós, engomadinhos de estômagos e bolsos forrados. Porque é muito mais do que isso. Exercem sua humanidade e sua capacidade de agir, criam códigos, estabelecem signos, interpretações, condutas, valores. Relações. Estar à margem (do sonho burguês do castelinho da Disney) não é estar fora da humanidade: o que me atrai nessas pessoas é justamente mostrarem, concretamente, que é exatamente o contrário...<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span>
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Mas esse fascínio que eles despertam em mim não faz com que os exotize, ou idealize. Sua vida é dura.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Sinto-me,
ali, como se uma bomba tivesse caído, e congelado o tempo, como se vivêssemos,
todos, no vácuo que sua deflagração deixa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Andrajos.
Pobreza. Sangue espirrado contra a parede central da Catedral – ao lado direito
da escada. Ainda lá está: podem conferir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Mas
eu, sinceramente, ao olhá-los nos olhos – coisa a que o olhar comum teme
absurdamente – vejo, apenas, inadequação, mal-estar, dúvida e inquietação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Isso
faz deles verdadeiros filósofos, para mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">São
dúvida, inquietação, são questionamento: o questionamento encarnado em seus
ossos sem carne. Em suas barbas grisalhas, em seus conffabulares fabulsosos,
acerca das vultuosas somas de sua miséria (uma cachaça, um relógio quebrado, um
par de sapatos), levam suas vidas, e todas as nossas, no lombo. Um pregão de
fome, em que se negocia sobras, migalhas, com o afinco de um acionista da
Microsoft.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Vagam,
e confabulam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Alguns,
seminus, dialogam com os coqueiros, personagens imaginários, companheiros de
sua solidão pública, em pleno centro da cidade mais esbaforida e movimentada do
Brasil.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Certo
sábado, estando eu por lá, vi dois homens a confabularem, como se planejassem
um crime. Acheguei-me, de manso, e o que ouvi foi uma discussão
metafísico-religiosa digna do medievo: deus, existindo todo em sua grandeza,
não poderia caber no cérebro humano, e nem nas páginas da Bíblia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Um
homem, jovem, cabelos tingidos de loiro, malgrado a negritude de sua tez,
trazia ao ombro uma bolsa rosa, e calçava apertadíssimos <i>scarpins</i> vermelhos. Rebolava, afetando uma feminilidade impossível,
e, em seu sorriso, em suas gargalhadas, dirigidas a personagens imaginários aos
quais dirigias gritinhos e gracejos, eram verdadeiramente plangentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Nesse
mesmo dia, a praça parecia mais desolada, devido à pressão atmosférica, e ao ar
opresso que dela decorria. O peso do mundo parecia todo estar ali, centrado no
marco central da praça, que aponta para todas as direções de onde vieram esses
homens: minas, Goiás, Curitiba...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Nesse
dia, enfim, vi o homem afeminado, cuja esquizofrenia causava uma esquizofrênica
sensação de compaixão e medo. Pregadores berravam sua fé – captei uma preleção
bonita, sobre Paulo e sua conversão. O homem não mencionou Dimas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Havia
uma verdadeira fila deles, que disputavam o quadrado de giz que era sua igreja.
Sobre a pedra. Sobre Pedro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Muitos
outros pregadores disputavam a atenção dos mendigos, em diversos quadrados. Em
torno de um, que jazia bem sob a sombra da enorme e ridiculamente irônica
estátua do jesuíta conversor desta gente, aglomerava-se muita gente: ele dispunha
de uma caixa de som e um microfone.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Mas,
pasmem! Ao lado, exatamente ao lado dele, havia um grupo a tocar samba, com
pandeiro, triângulo, cavaco. Muitos homens puseram-se ao redor, batucando em
pastas de documentos e latas de lixo arrancadas dos postes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Um
deles, de boné, dançava, como em um transe, a sorrir toda sua dor. Juro-lhes:
era um sorriso de dor. Uma dor alegre, pungente, e dançava, e dançava, e
dançava...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
pregador, ao lado, enfurecia-se contra os infiéis. Jovens passaram em seus
skates, prostitutas passaram, a rir-se do dançarino frenético.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">E
o mundo havia acabado, ali.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">E
a guerra que engendrou seu fim parecia ser perene. O dia, com uma camada
finíssima de nuvens a filtrar o sol, de mormasso, seria eterno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Modus Facendi<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
idéia é fazer um curta-documental sem som algum, além de Roads: chegar à praça,
e filmar. Diversos takes. Depois, editar, e inserir a música. O clipe seria a
estética das impressões que eu queria tanto transmitir. Pensei em filmar os
pregadores, e seus quadrados de giz. O jesuíta, ao pé do qual se sentam netos
de índias estupradas por ele mesmo. Seus bisnetos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
edição consistiria na montagem de minúsculos quadros, takes, estórias
inter-cruzadas, algo assim:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tudo
em ritmo normal, P&B, com muita abertura, para que, com essa estética
estourada e <i>chiaroscura,</i> tenha-se a
impressão de algo onírico. Dia nublado e quente, com alta pressão. Velocidade: <i>Slow-Motion</i>, com leves acelerações, nos
pequenos quadros de closes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">1
– Close: torre da Catedral.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">2
– Close: pregador, com a bíblia nas mãos. A Catedral ao fundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">3
– Panorâmica: a Praça. Pode ser um giro, do alto do marco central, algo
espiralado, que comece do chão (uma rosa dos ventos de mármore), e vá subindo,
até tocar com a objetiva os rostos dos pregadores, dos mendigos, dos passantes
– com slow-motions aí – e, por fim, as torres gloriosas da Sé.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">4
– Close: o rosto de um mendigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">5
– Close: a parte do marco central que indica Goiás.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">5
– Close: o rosto de outro mendigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">6
– Close: outra faceta do marco, indicando Minas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">7
– Panorâmica. Foco nos confabulantes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">8
– Close: homem dormindo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">9
– Plano americano: homem a falar sozinho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">10
– Pregador, a falar sozinho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">11
– Close: o rosto de um mendigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">12
– Close: outra faceta do marco. Paraíba.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">13
– O pagode.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">14
– Close: o sorriso do dançarino frenético.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">15–
plano seqüência <i>videoclíptico</i>,
acelerado: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 81.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Torres da Catderal, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 81.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Pregadores, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 81.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Personagem a falar sozinho, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 81.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">o Pagode, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 81.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">o Jesuíta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">16
– Fade.<o:p></o:p></span></div>
Bruno Walter Caporrinohttp://www.blogger.com/profile/09035545029341697571noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6950501818728315025.post-70587072193044332902012-09-15T12:49:00.002-07:002012-09-15T12:49:49.190-07:00#2 - A máquina de gastar gente<br />
<div class="MsoNormal">
Assim que entramos no mercado do peixe do Perpétuo Socorro,
somos surpreendidos – mais ou menos, dependendo do contato que se tem com esses
mercados de peixe da Amazônia – pela barafunda colorida e álacre que toma as
bancadas recobertas de zinco onde jazem, ainda vivos – mais do que frescos –
tambaquis, uritingas, piaus, pacus, pacusis, piranhas, akaris, bodós, filhotes,
piraíbas, matrinxãs, pirapitingas, surubins, etc. O gazetear dos vendedores, os
chistes sinceros dos carregadores e compradores, tudo isso envolve o espectador
numa aura própria, única, que dissolve o tempo e lhe imputa uma certa pressa,
ou, antes, uma azáfama alegre e buliçosa, que marca o contraste da aparente
pobreza dos frequentadores (compradores e vendedores) com a riqueza que manipulam,
a nobreza do produto que negociam, e cuja fartura permite aos mais esclarecidos
entender que a pobreza é apenas aparente.</div>
<div class="MsoNormal">
<img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf0LBXVD26LrVDM7w_7SgYj5nYyllKCvD3pZvMUwrra61WZ5NMvTiPv9kr0qPx6J2DWeP5OlfQEGFOGa5ZyGkazshFxim1IyoFz8-HVDBswOKJoqLzYs-MwOgDRCPHrRP4tiw2g4XEc8Q/s320/DSCF4411.jpg" />
</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
Não foi diferente neste sábado onde, indo encontrar minha
camarada cozinheira de terra indígena, Naídes, que mantém uma banca de peixe
salgado no mercado, aproveitei para comprar matrinxãs e fazer umas fotos dos já
conhecidos vendedores. Entre um gole e outro de café, eis que uma algaravia
toma a parte fronteira do mercado: defronte ao caminhão que descarregava sacas
de cebolas, Maria Inês, conhecida vendedora de ervas e tucupi, deblaterava com
o proprietário do caminhão, que lhe devia sacas e mais sacas já pagas, vindo
entregar, disparatadamente, apenas aos outros vendedores, o produto. De chofre,
Maria Inês, irritada e a invectivar contra um carregador, entre aplausos e
gritos jocosos de incentivo dos frequentadores do mercado, sobe à caçamba do
caminhão e começa a deitar fora as sacas que o dono entregaria a outros que não
ela. Mais aplausos e chistes.<o:p></o:p></div>
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---- Égua, mulherzinha enxirida essa! Dizem alguns.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Certa ela... o homem recebeu e não entrega... tá
pensando que a gente somos besta?</div>
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<img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2t99K_1ZGa_a1DuyIcI4OH0ZcrX5yRwXq8Sy4i89E_aJYQ8CNemwOPsPaDAdXCs4sIepG6sucL9Fs5-0tH8tIqIvq55Cv0frZHzCZ4t85swgG4OlTuQuU0Si7e0hG4H2kBLstBJ-M_-I/s320/DSCF4406.jpg" />
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Naídes e Loira, sua colega de banca, se riem, e arrumam os
saquinhos com coloral e as garrafinhas de tucupi sobre a bancada, enquanto eu
dou mais uma rodada pelas bancadas onde uma nova leva de tambaquis e pacus
pretos agonizam, e, para sincera irritação de um jovem vendedor, ainda não
convencem a dona maria que, examinando-o detrás dos óculos de grossos aros e
prendendo os cabelos já repletos de cãs, pergunta:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Essa aqui tá fresca mesmo, será se?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mais algumas tomadas, e gracejos com um freguês que
afastou-se o foco da objetiva de sopetão, como quem leva um soco, como um
foragido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Égua, medo é esse mano? Tá com medo de ir para no
Bronca Pesada do meio-dia? Exclama entre risos o vendedor que tica um par de
piranhas na sua frente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mais risos. A vida segue seu ritmo, entre a morte agonizante
dos peixes e o sustento dos vendedores e das famílias das matronas caboclas que
regateiam o centavo/grama, como sói.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Deixando o mercado, provisoriamente instalado na avenida Ana
Nery, longe um tanto do Amazonas, mas ainda no tradicional bairro pescador do
Perpétuo Socorro, deixei-me levar pela faina colorida e aromática do mercadejar
dos viventes, e vaguei a esmo pelo bairro, pois tinha-se acabado a película –
última – dentro da Zeiss.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como sempre acontece, deparei-me com a beira-rio, que, neste
trecho a norte do Igarapé das Mulheres, é um ermo selvagem – deliciosamente
selvagem – onde os aningais encostam de quando em quando, e ainda há vegetação
sobre o leito lamacento-arenoso do Rio. Uma placa de macabaúba encostada à
murada, e mais um chiste de vida: “Temos peixe”. Ô se! O Rio logo atrás. Última
pose, sorte!</div>
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<o:p> </o:p><img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLZeJzSqRx1GkpDdZwWYkCOfPdVX7pMQb348gkCrz1cl0jpA8wC4WmbbLTHFAJhNiPWWTiG9ZR__C0kwne9nHUornUec8gLKnVVIMiAaUK1iiublvJ-QyAOskrhIOAjL4o8cuhYalWBMo/s320/DSCF4505.gif" /></div>
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Estando o sol a pino, o que, por estas bandas equatoriais
significa que estava inclemente, decidi aprumar o rumo da caminhada para o
Igarapé das Mulheres, de onde poderia comprar um açaí ir para casa assar a
matrinxã. Mas todas as vezes que percorro este lado norte da orla, agora
devastada pela força das águas no repiquete pré-piracema, sinto certo misto de
tristeza e felicidade. Felicidade porque sendo ali a beira-rio do bairro pobre
e tradicional dos pescadores, os esforços das prefeituras anteriores em
construir quiosques com apelo turístico (o que, no caso do Brasil, consagra sua
raiz e quer dizer “para inglês – e só inglês, não o nativo – ver”) e
transformar a várzea em uma praia para os gringos, foram malogrados.</div>
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Mas também tristeza porque, contemplando a beleza da
paisagem ainda selvagem, onde alguns moradores se banham com os filhos
tranquilamente, e, na preamar, lanchas e iates aportam à espera da cheia,
regateando, sempre vejo por ali algumas pessoas que se apoderaram dos quiosques
falidos e, tendo atado redes, cozinham em latas de tinta látex os bodós que o
povo joga fora. Como pode tanta pobreza, à margem de tanta riqueza? É um
contraste de dar calafrios: Pneumotórax, uma vinda inteira que poderia ter sido
e não foi...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Por diversas vezes essa mistura de sensações tomou conta de
mim ao passar por ali. E isso se acirrou desde de a ante-penúltima vez, quando,
ao entardecer de uma quinta-feira, vi uma moça jovem, de cerca de 18 anos,
morena de nascença, escura de sol, magra e tatuada, sair de uma lancha aportada
enquanto o proprietário subia a braguilha de sua calça, à proa, como quem
palita os dentes depois de melar-se todo de peixe reimoso. Seus olhos – os da
moça – percorriam a beira, envergonhados, e pude ver que mareavam, à preamar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Outra feita, zanzando por ali, confirmei as suspeitas: era,
a moça, mais uma das mulheres brasileiras que o Brasil enjeita, e que sustenta
as carnes depreciando a alma, vivenciando perigos vários por estas beiras,
baixios, zonas, portos, tantos, tantos, que sequer chegamos a conhecer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O caso é que desta feita, tomado, como sempre desde então,
pela mesma mistura de sensações de sempre, parei em um ponto onde julgava não
haver absolutamente ninguém, para aproveitar o poderoso zoom ótico da câmera
digital e fazer umas tomadas de um pai que brincava com seu filho nas águas do
Amazonas banhadas de luz, até que, amaldiçoando o sistema de focagem da Fuji,
que limita muito a focagem manual, percebi que alguém se achegava por trás de
mim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- O senhor tem um cigarro?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era ela. Magra, queimada de sol, o rosto jovem e o riso
ingênuo de moça cabocla a persistir, triunfante, sobre a pobreza extrema a que
fora relegada. Respondi que não, e fiz menção de que ia guardar o equipamento e
deixar o local, já que, não pretendendo usufruir de seus serviços, não iria
tomar-lhe o tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Aqui é bonito né? Pena que é sujo. Eu moro aqui, na
beira, bem ali – e embeiçou na direção dos quiosques abandonados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Pois é, é lindo, sim. Tampei a objetiva, e fechei o
case da digital, respondendo que, ao menos, não lhe faltava lugar para banhar e
pegar água (em todo o Perpéctuo Socorro, por um milagre da natureza humana e da
administração pública a mais corrupta, falta água, estando há metros do maior
rio do mundo: não riam; por favor, contenham-se, pois é triste).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Ah, não, eu não banho aqui não. É muito sujo. Tem muita
gente que joga sujeira, porco morto; por esses dias, mataram uma sucuriju aqui
com um pau. Sorriu, entre matreira e humilhada, a engolir seco como quem se
prepara para anunciar ou pedir algo importante. E prosseguiu: ---- eu banho nos
barcos, quando durmo com os caras, e também no motel...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Fez um silêncio envergonhado, contemplou o rio, e, prendendo
o vestido com a presilha dos cabelos, no intento de mostrar as magras pernas
provocativamente, tomou a resolução de expor, por fim, seu intento:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
---- Bora fazer um sistema, nós dois? Eu tô com fome...<o:p></o:p></div>
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Eu, que já tinha virado as costas devagar e ia embora,
aproveitando sua pausa contemplativa, estaquei, gélido, ante a dureza sincera
da frase, enunciada em tom tão melífluo e matreiro por uma simples menina, tão
menina quanto versada nas artes de humilhar a alma promovendo o corpo. “Eu tô
com fome” foi a frase mais arrebatadora que ela poderia ter dito, neste
contexto delicadamente orquestrado para embrutecer os sentidos e calar a razão,
ironicamente diante de tão puros e bonitos, profundos estímulos como o vento
agridoce e a paisagem do rio, em cuja outra margem um verdadeiro e concreto
Eldorado se estende pelo tapete verde de açaizais cortados pelo Rio de onde os
peixes pulam para as malhadeiras por livre iniciativa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sem saber o que lhe dizer, lamentei, dizendo que não poderia
(sabendo, no íntimo, que expor as reais razões para isso a humilhariam ainda
mais, pois seria o mesmo que dizer-lhe em letras garrafais que eu recusava
humilhá-la porque ela se humilhava por profissão), e deixei, vergado, o posto
onde ela me abordara, sem conseguir conter o marear dos olhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Caminhando cabisbaixo os 500m que me separavam da
aglomeração que guarnece o boqueirão do Igarapé, e onde a faina de beira retoma
seu pique, deparei-me com uma pequena lancha sem pintura emborcada, que, com o
motor de centro acionado, secava o porão do batelão. De dentro dele, sorridente
e simpático, acenou para mim o proprietário, enquanto jogava para a lama quilos
e mais quilos de akari-bodó, peixe de fácil reprodução e pesca que, pela
aparência cascuda, pela cor escura, pelo hábito de sobreviver da e na lama
quando das secas, e pela facilidade de ser pescado, é completamente desprezado
como uma Geni, por estas paragens urbanas amazônicas, onde impera o desperdício
o mais gritante dos recursos mais preciosos que o Planeta já ousou nos
oferecer.<o:p></o:p></div>
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Isso me fez pensar, com amargura, na moça que oferecera seu
corpo por um litro de açaí – quiçá menos – sobrevivendo às margens do maior
estoque pesqueiro, de açaí, de biodiversidade e riquezas jamais conhecido pelo
homem; consagrando o espírito amapaense, sempre disposto a fazer-se maquete,
caricatura do Brasil, ao celebrar uma ode ao desperdício, ao mau-trato, ao
mau-uso, ao não-cuidado. Agradecendo ao velho Daia pelo açaí especial vendido,
como sempre, pelo preço do normal, cruzei os conveses dos iates e lanchas
abeirados para chegar em casa, pensando em Darcy Ribeiro, que foi quem, depois
de tudo o que tenho visto e vivido, nesse sentido, me deu uma das melhores
definições do que somos neste país: o Brasil é uma máquina de gastar gente –
desperdiçar recursos, e acumular riqueza nas mãos de poucos, acrescento.<o:p></o:p></div>
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Bruno Walter Caporrino<o:p></o:p></div>
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Macapá, 26 de maio de 2012</div>
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Bruno Walter Caporrinohttp://www.blogger.com/profile/09035545029341697571noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6950501818728315025.post-34935945969373561602012-09-15T12:00:00.001-07:002012-09-15T12:12:15.076-07:00Mensagem # 1 - Bem-vindos<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sejam bem-vindos a esta humilde publicação!</span><br />
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Criei-a como um anexo do Beagle (www.beagle40.blogspot.com.br) porque ela tem outra finalidade, uma finalidade específica: servir de plataforma para debate e reflexão sobre a vida amazônida contemporânea, com enfoque especial para digressões acerca das imagens que se faz dela.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tanto as imagens que outros atores fazem dela, quanto as imagens que eu mesmo tenho feito desde 2008, através da fotografia analógica 35mm em preto e branco.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pré-conceituadas, todas as imagens hão de ser.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Como ensina Clifford Geertz, os homens são seres amarrados a teias de significados, de acordo com as quais contemplam o mundo e, assim, realizam sua missão genética, que é a de existir no mundo interpretando-o à sua maneira.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Mas, como ensina Lévi-Strauss, o que iguala os homens é justamente o fato de diferenciarem-se. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Como não nos é facultado evadir-mo-nos de nós mesmos enquanto consciência transformadora do mundo, pois estar nele é apreendê-lo, recortá-lo, interpretando-o, é de visões sobre a vida amazônida que se ocuparão estas reflexões, entendendo as fotografias aqui postadas não como um reflexo puro e simples do mundo, mas sim como um reflexo de mim mesmo, seu autor através delas, de modo a debater a mameira como esse mundo aparece para mim; como a ontologia manifesta-se enquanto fenômeno através de minhas lentes.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Portanto, é partindo do pressuposto de que a síntese da existência humana é estar no mundo de modo a apreendê-lo de acordo com uma totalidade estruturalmente integrada de signos, valores, uma <i>weltanschaaung</i>, ou seja, visão de mundo, o conteúdo dessas publicações é declaradamente produzido sob um prisma idiossincrático: o meu, seu autor.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">É sobre essa relação entre sujeitos e fenômenos que versam estes textos e fotografias aqui publicados. Através da publicação de alguns de meus trabalhos como fotógrafo amador, sobre a Amazônia Oriental (Amapá e Pará), buscarei compartilhar com vocês, conquanto o desejem, reflexões sobre Amazônia não como todo em-si (de que resultaria como uma pálida e patética quimera), uma ontologia inerte e inane, mas sim como uma miríade infinita de possibilidades: possibilidades de perspectiva, de aparição (fenômeno), de apreensão, e interpretação. Como um fenômeno produzido e produtor de relações consagradas através da aplicação, justamente, de perspectivas.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Assim, as fotografias com que venho trabalhando, e que buscam não apenas ilustrar o tema dessas reflexões, mas muitas vezes constituir o próprio tema ou reflexão, são publicadas com o objetivo de trazer à luz aquilo que, com elas, busquei trazer à luz: a inapreensível exuberância desse universo repleto de formas de ser, existir, posicionar-se e resultar-se diante de tantas e tão variegadas outras formas de existir e apreender.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">É sobre homens que versaremos. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Homens em suas mais diversas relações com os mais diversos meios, percebidos sob uma ótica diversa de tantas outras.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Àqueles dispostos a baixar os gládios de sua visão dominante e dominadora, àqueles dispostos, pois, a re-pensar-se enquanto sujeitos produtores do mundo, sujeitos ativos de perspectivas, aptos a reconhecer-se, portanto, perspectivados e pólos passivos do estar-no-mundo, essa modesta publicação recebe de braços abertos.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Àqueles que desejam prosseguir suas existências ignorando do mundo aquilo que não os reflete como o desejam, tal qual narcisos quixotescos que deblateram-se com o mundo por não encaixar-se em suas tramas conceptuais - postura essa que resulta em fracassos iracundos e tragicômicos, tão grandes como a amazônia, como a rodovia Trans-Amazônia - à essas pessoas, enfim, nós (seu autor, e parceiros de convívio e reflexão, retratados que são os verdadeiros autores das fotografias), recomendamos vasculhar pela internet outros portais, onde possam refastelar-se com sua etnocêntrica, antropocêntrica, ego-cêntrica visão de mundo...</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pois os há, em grande quantidade.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Se desejas defrontar-se consigo mesmo, ao contemplar o mundo, então, colega, embarque, pois é exatamente desse exercício que são feitas as reflexões (reflexos) que povoarão este portal.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
Bruno Walter Caporrinohttp://www.blogger.com/profile/09035545029341697571noreply@blogger.com0